terça-feira, setembro 19, 2006

_ Moço, compra um "drops"? É prá ajudar lá em casa.
_ Porque você vende doces no sinal?
_ É que eu tenho seis irmãos pequenos, minha mãe tá doente e meu pai desempregado. Se eu não vender, a gente passa fome.
_ E a escola, como fica?
_ Ah,moço, não dá tempo de estudar não, eu até queria, mas meu pai diz que estudar é "perca" de tempo, que não se ganha dinheiro sentado numa cadeira de escola.
_ Mas seu pai está totalmente errado! Se você não estudar, não vai chegar a lugar nenhum, não terá uma profissão, não será ninguém na vida. Você é uma criança, precisa estudar, brincar, não trabalhar.
_ Mas moço, se eu brincar, estudar, não vai sobrar tempo prá vender os doces e eu e meus sete irmãos...
_ Espere aí! Você me disse que eram seis irmãos!
_ Hã? É que.... bem, a gente cria um primo que é como se fosse irmão...
_ Não sei não, essa história está mal contada...
_ Moço, você vai ajudar ou não, o sinal vai abrir.
_ Desculpe, meu filho, mas não vou ajudar não.

_ E aí, moleque, quanto você vendeu?
_ Só cinco "real"...
_ O quê?!?!?! Só isso!?!?! Seu moleque, o que você tava fazendo no sinal, brincando? Ou você tá querendo me fazer de otário? Olha lá, hein moleque, eu te encho de porrada de novo!!

O que você acabou de ler poderia até ser o início de um livro ou uma encenação teatral, mas infelizmente é o que acontece todos os dias em nossas cidades. Pais e (ir) responsáveis inescrupulosos submetem crinaças em idade e escolar (e até pré-escolar) a trabalhos de todos os tipos para sustentar seus vícios (dos pais) e até mesmo para prover o sustento do lar.

O mais triste é que há aqueles que forçam seus filhos a venderem mais do que balas e doces; há crianças que sõ obrigadas a venderem seus próprios corpos, prostituindo-se em esquinas e postos de gasolina. Há crianças trocando sua inocência por latas de sardinha, por drogas, cigarros, etc.
Há quem compre produtos das mãos de crianças achando que estão ajudando, que estão fazendo sua parte para minimizar o sofrimento delas. Com essa atitude estão fomentando a indústria da exploração infantil.
O povo brasileiro tem fama de ser muito solidário, prova disso é o sucesso que fazem campanhas com o criança-esperança, o tele-tom e tantos outros similares que movem a sociedade em prol do bem comum. Acontece que essa solidariedade deve ser bem direcionada, pois seus resultados estão aquém do necessário. Em outras palavras, estão dando o peixe, não ensinando a pescar.
Uma das medidas a serem tomadas em relação ao problema é a conscientização da sociedade para que não fomente essa indústria ignominiosa. Faz-se necessário cerrar o coração e não deixar-se comover pelas expressões tristes dessas tristes crianças exploradas. O jeito mais fácil de ajudaá-las, é não ajudando-as nos sinais.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Qual de nós mentiu
Ao provar que tudo era falso?
Não passou de jogo de palavras
Ditas, escritas, pensadas,
Apagadas, metamorfoseadas
Para serem o que não eram
Quem foi mais falso ao mentir?
Não passou de jogo de letras
Arranjadas, arrumadas
Distorcidas para formarem
A palavra não lida, não dita
Maldita
Não fui eu, não foi você
?Quem disse isso antes?
Letras, palavras sentido
E no fim tudo é mentira
Em outras palavras
Dizemos o mesmo
Fazemos o contrário
Mudamos o rumo

Em outras ações
Que não cabem aqui
Nós somos iguais

Iguais a quem?
A mim, a você, a ninguém?
O mesmo afim todos têm
Como um ponteiro de relógio
Que do primeiro ao último minuto
Faz sempre o mesmo caminho
Assim é o vento que não
Informa sua origem

O que de novo posso ver
Se o sol que nasce hoje
É o mesmo que nasceu ontem?

Achar-me melhor por conseguir
Aprender a cada dia só para descobrir
Que o muito que sei nada é

A vaidade não é novidade
Nuvens brancas formam na mente
Figuras de sonho e divagação
Nuvens escuras trazem torrentes
Tempestades de choro e solidão

Poesias ingênuas e pueris
Mostram a hipocrisia dos poetas juvenis
Livros, contos e narrativas sutis
Verdades reais nunca se diz

A solidão é companhia do ego
De quem se tranca dentro de si
O amor só se torna eterno
Quando começa a existir

Liberdade rima com solidão
Distância é amiga da saudade
Quem olha o passado que deixou
Não vive o futuro que sonhou

A tristeza toma conta do ser
Quando a ausência se faz presente
Quem chora e agoniza por dentro
Não mostra a verdade que vive
Precisei de ti e não encontrei-te
Porque escondeste de mim teus lábios
Furtando de mim o deleite dos teus beijos?
Acaso feri-te com meu amor?
Esse amor inconsequente, desesperado
Infinito, displicente e inadequado
Que luta prá existir e cobrir-te de gozo
Equivocando-se a cada instante
Sendo teu em desespero absoluto
Oh, se soubesses quanto amor te devoto!
Desesperar-te-ias em amar-me e devotar-me
Tuas esperanças e temores
Serias para sempre minha

Agora é tarde, não há mais tempo
Porque furtaste-me teus olhos
Não me verás mais
Serás como árvore no outono
Secarás e perderás tuas folhas
Meu amor que te irrigava fenecerá
Perder-se-á em tormentas passionais
Desesperar-te-ás em delírios
Tua visão escurecerá e falhará
Não mais me verás
Porque furtas-te-me teus olhos
Em caos transformou-se a minha vida
Com Chaga mortal me feriste
De negro sol me cobriste

Só porque hoje é domingo

Não sei quando adquiri esse hábito. Acho que por força do meu trabalho, talvez por excentricidade ou nenhum deles, questão de inspiração mesmo. O que sei é que só escrevo aos domingos. É incrível como as palavras fluem, as idéias surgem e os versos revelam-se em sua pureza.
Na verdade não sei o que há de especial nos domingos. Gosto de ver os fiéis se dirigindo às igrejas, divirto-me com as turmas de amigos se reunindo para farrear, me encantam as crianças felizes por não terem aula e poderem brincar o dia inteiro, alegra-me a alegria dos pais com os filhos nos parques, nas praças, nos zoológicos dando pipoca aos macacos, acho bonito as madames passeando com seus cãezinhos de raça, suspiro ao ver as moças suspirando por seus amores, admiro os adeptos da vida saudável que se exercitam ao sol, me dão esperança de longos dias os velhinhos que jogam damas despreocupadamente, frustra-me a cara descontente de quem precisa trabalhar enquanto outros folgam.
Ainda não sei o que há de especial nos domingos, mas gosto deles, é dia de festa, de alegria, de descanso, de trabalho, é dia de aguardar rancorosamente a chegada da segunda-feira. Gosto especialmente dos domingos que caem aos domingos, sim, porque alguns domingos meus caem na segunda e até numa quinta já tive um, só que esses não servem para nada, neles não há fiéis, amigos, crianças, pais e filhos, madames e cachorrinhos, suspiros de moças, geração saúde, velhinhos, e a cara de todos é descontente por precisarem trabalhar.
Que ótimo, hoje é domingo e eu estou trabalhando (ou escrevendo?) com a cara descontente de quem precisa trabalhar, ama o que faz, mas odeia trabalhar num domingo.
Hoje é domingo, tem futebol na TV, também tem muita porcaria, tem programas que apelam prá baixaria e correm atrás de audiência desqualificada, estúpida e ignorante, que sente prazer em consumir o que não presta e rejeita aquilo que é indispensável para uma vida intelectual saudável.
É, hoje é domingo, o dia mais esperado da semana é também o que passa mais rápido, por que será?
Independente do que passa na TV, do que passa na vida dura e sofrida, do que passa na insensatez, na estupidez humana, eu me pergunto: Porque eu só escrevo aos domingos?

quarta-feira, setembro 13, 2006

Minha Vó

Uma criança que corre e ri
A pipa que serpenteia no ar
Uma cadeira de balanço
Que se perde num eterno vai e vem
Um novelo de lã rola no chão
Olhos cansados denunciam
Uma vida repleta de lutas
Roça, milho, plantação
Casa, lenha, fogão
Filhos, netos, bisnetos
Artes, brigas, chinelo
O delicioso cheiro escapava pela janela
Revelava a delícia na panela

Lembranças da infância que se foi
Não há mais risos e a pipa foi levada pelo vento
Não há mais gato ou lã
Somente a cadeira obsoleta e vã

Soneto Para Clarissa

Viver não é sem você
Ausência sua é dor
O que inunda a alma?
Simplesmente amor

Tempo, distância, não estar perto
Aperta o coração, faz chorar
Ver, sentir, tocar
Em seus lábios delirar

Seu nome, qual é?
Importa quem é
A pessoa que existe

A importância que tem
Não há como medir
Apenas viver e sentir

terça-feira, setembro 12, 2006

Intimamente ligada à sua é minh'álma
Como unido está o espinho à rosa
Imensurável candura agressiva
Que fere o peito enquanto exala seu perfume

Perpétuamente devotada é minh'álma à sua
Como encantado é o girassol
Sempre com face voltada ao seu objeto de amor

Extasiada fica minh'álma ao brilho de seu olhar
Como em êxtase rende-se a águia às alturas
Inebriada minh'álma está pela doçura de sua voz

Idílico som que flutua em mim
Despertando desejos ocultos
Revelando segredos inaudíveis

Insaciavelmente sedenta está minh'álma
Pelos beijos ardentes de seu lábios
Toque divinal de seda entorpecente
Quintessência do prazer

Incansavelmente clama minh'álma pela sua
Ansiando resposta e amor
Como areia anseia pelas ondas
Exalando espumas de gozo

segunda-feira, setembro 04, 2006

Quisera Eu Ser Poeta

Quisera eu ser poeta
Com tinta e caneta traduzir o mundo
Quisera eu ser poeta
Fingir sentir a dor que me consome
Quisera eu ser poeta
Transbordar o amor que não cabe em mim
Quisera eu ser poeta
Tocar seu rosto como um raio de sol
Quisera eu ser poeta
Expandir o som do meu grito
Quisera eu ser poeta
Ser todos e ao mesmo tempo ninguém
Olhos negros, parede nua
Solitária vênus a brilhar
Sentimentos inexistem
Em noites sem luar
Lábios se calam
É o silêncio ensurdecedor
Vozes murmuram sinfonias de amor
Dia quente, noite fria
Na alma a companhia da solidão
O medo de amar faz viver
Noites em claro e dias sem luz
O que a vida traz
E o que ela nos faz
São gestos banais
E desejos mortais

Tanto amor puro
Contaminado pelo ódio
Boas ações e palavras
Movidas por más intenções

Fatalista ou pessimista
Quem sabe realista
Indecifrável intento
Abstrair-se ao contra-senso

Na dúvida, optar pela certeza
Fragilidade de uma fortaleza
Insensatez que produz espanto
Alma desprovida de encanto
Não me importa se verdades ou mentiras são ditas
A beleza da poesia dita sua relevância
Se palavras bem estabelecidas ou versos imprecisos
Não se mede o que é subjetivo ou destituído de sentido

Ser bem definido não exclui o improviso
Subjugado pela retidão pragmática que se impõe
Revela-se a alma do poeta naquilo que não vê
Naquilo que não se diz...
Noites insones, permanentes companheiras
Feridas estrangeiras perpetuam-se no tempo
Estranhos sinais, são os acordes finais
Resumindo o obsoleto, deperdiçando o essencial

Esse é o fim, meu amigo, tudo acabou
O dia raiou, o sono não veio, a ferida não cicatrizou
Os acordes soaram, mas o mundo é surdo
Ser não é abstrair-se, é extrair da realidade o pão diário
Eis que no céu da pátria não raiou a liberdade
E eu vi o Rei, com toda a sua majestade
Coroado, adornado, ensoberbecido por sua glória
Com súditos dando salvas e morrendo de fome

Salve o Rei! Reine e nos explore por toda vida
Consuma o fruto do nosso trabalho diário
Sinta o gosto do suor que escorre em nosso rosto
E se empanturre das mais finas iguarias

Não se rebele, povo meu, povo que amo e odeio
Eis que vos concedo a honra de me venerar
Prometo-vos que pão e circo não faltarão
Nem o trabalho para vos fatigar

Não me rendo à evidência de que o Rei é tudo
E de que tudo é do Rei
Levantar-me -ei e reivindicarei minha parte
Mesmo sabendo que serei degolado impiedosamente

Mas nós amamos o Rei e o queremos para sempre
Mesmo com os olhos fechados e a boca faminta
Somos sufocados por sua gula insaciável
Sentimos alegria com a dor que nos provoca

Povo meu, povo meu, quero toda a vossa fazenda
Esta é minha nforma de vos amar, povo meu
Roubando e saqueando tudo o que têm
Enriquecendo a cada dia me alegro em vós